Kátia Sayuri Takahashi: “O Soroban é mais do que matemática, é inclusão, memória e dignidade”

Por Redação | 09 de Junho de 2025
Com mais de 20 anos dedicados à difusão do Soroban no Brasil, a educadora e pesquisadora Kátia Sayuri Takahashi é hoje uma das maiores referências quando o assunto é inclusão, neurociência e inovação educacional com o uso do ábaco japonês. Fundadora do Centro Paulistano de Soroban, ela publicou recentemente o artigo “Soroban: Ferramenta de Estimulação Cognitiva, Inclusão Educacional e Apoio Terapêutico” na Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, no qual defende como o Soroban pode ser um instrumento poderoso para transformar vidas, da infância à terceira idade.
A seguir, convidamos a Kátia para um “pingue pongue” de perguntas e respostas onde falaremos sobre sua trajetória, os benefícios do Soroban para idosos, crianças autistas e pessoas com deficiência visual, e os desafios para expandir essa prática no Brasil
Revista Educação e Inclusão — Como surgiu sua relação com o Soroban?
Katia Sayuri Takahashi — O Soroban fez parte da minha infância como herança cultural da minha família japonesa. Mas só mais tarde, como educadora, percebi que ele não era apenas um instrumento de cálculo, mas uma ferramenta poderosa para desenvolver foco, memória, lógica e autoestima. A partir disso, fundei o Centro Paulistano de Soroban, em 2001, junto com minha irmã, e nunca mais parei.
O que representa para você a publicação do artigo na Revista Núcleo do Conhecimento?
É um reconhecimento imenso. Não apenas do meu trabalho, mas do impacto que o Soroban pode ter na vida das pessoas. A revista deu visibilidade acadêmica a algo que antes era visto como “alternativo” ou “tradicional demais”. Agora está claro que se trata de uma tecnologia educacional com base científica e humana.
No artigo, você destaca o uso do Soroban com idosos. O que mais te chamou atenção nessa experiência?
A transformação emocional. Os idosos que participam das oficinas relatam melhora na concentração, na autoestima e no ânimo. Eles descobrem que ainda podem aprender, que o cérebro continua ativo. Um senhor de 86 anos me disse: “Katia, agora eu volto a me sentir útil”. Isso me emociona muito.
O Soroban pode ajudar na prevenção do Alzheimer?
Eu acredito que sim. Não como remédio, claro, mas como ferramenta de estimulação cognitiva. Ele ativa áreas do cérebro ligadas à memória, à lógica e à coordenação. Quanto mais a gente desafia o cérebro, mas a gente fortalece a reserva cognitiva. E isso pode retardar o aparecimento de sintomas de demência.
E para pessoas com deficiência visual, como funciona o Soroban?
Ele é libertador. Com a adaptação, feltro e contas fixas, o aluno cego consegue fazer cálculos com autonomia e isso muda tudo. Ele entende o sistema decimal com as mãos, sente os números. Já vi alunos cegos ensinarem colegas videntes. O Soroban dá poder, dá protagonismo.
Existe base legal para isso?
Sim. Desde 2002, o Ministério da Educação reconhece o Soroban como recurso específico para pessoas com deficiência visual. Mas o problema é que muitos professores nunca foram formados para usá-lo. A lei existe, o instrumento está aí, mas falta conhecimento e vontade política.
No seu artigo mais recente, você trata do Soroban com crianças autistas. Quais os resultados?
Surpreendentes. Crianças que têm dificuldade de concentração passam a manter o foco por mais tempo. Muitas desenvolvem raciocínio lógico avançado, e algumas até memória fotográfica. O Soroban organiza o pensamento, acalma, dá estrutura. E o mais bonito: melhora a autoestima. Elas se sentem capazes.
O Soroban ajuda também no comportamento?
Sem dúvida. Crianças que não conseguiam esperar sua vez passam a respeitar a vez do colega. Elas aprendem disciplina de forma natural, pela repetição do método. Já vi casos de crianças que começaram a se comunicar melhor depois do Soroban. É muito mais do que matemática.
Há resistência por parte das escolas?
Existe, sim. Muitas vezes por desconhecimento. As pessoas acham que é uma coisa antiga, ultrapassada. Mas o Soroban é extremamente atual. Ele não depende de internet, é barato, acessível e funciona. Precisamos desmistificar isso.
E quanto à aceitação nos Estados Unidos?
Lá o Soroban é usado principalmente por pessoas com deficiência visual e em programas extracurriculares. Mas falta a institucionalização que temos no Brasil. Em contrapartida, os EUA investem muito mais em pesquisa neurocientífica sobre o ábaco. Podemos aprender muito uns com os outros.

Você já foi homenageada por sua atuação. Quais reconhecimentos te marcaram?
Recebi moções de reconhecimento da Câmara Municipal de São Paulo, prêmios comunitários e convites para palestras. Mas o maior reconhecimento vem dos alunos. Quando um idoso me diz que voltou a ter prazer de viver, ou quando uma criança autista me mostra o que aprendeu com brilho nos olhos… isso não tem preço.
O que você espera para o futuro do Soroban no Brasil?
Que ele esteja presente em toda escola pública, em centros de convivência, em espaços de reabilitação. Que os professores sejam capacitados, que as políticas públicas enxerguem seu potencial. E que mais pessoas descubram, como eu, que o Soroban transforma. Porque transforma mesmo.
Em uma frase, como você resumiria sua missão?
Dar às pessoas a chance de perceber que elas podem aprender, crescer e se superar, com o Soroban como ferramenta e o amor como método.