Administrar uma clínica odontológica no Brasil tornou-se uma tarefa cada vez mais complexa. Além da excelência técnica nos tratamentos, os dentistas que assumem o papel de gestores enfrentam custos elevados de equipamentos e materiais, investimentos contínuos em cursos de formação e ainda lidam com a realidade da carência de saúde bucal da população brasileira. Esses desafios atuais impõem pressões financeiras e estratégicas sobre clínicas odontológicas de todos os portes, do consultório individual às grandes redes, conforme apontam especialistas e pesquisas recentes.
Montar e manter uma clínica odontológica de qualidade exige pesados investimentos iniciais e gastos recorrentes. Um levantamento do Sebrae estima que o investimento mínimo para abrir um consultório odontológico de pequeno porte gira em torno de R$75 mil, valor que cobre estrutura básica, equipamentos essenciais e documentação legal. Entretanto, clínicas maiores ou com especialidades múltiplas e tecnologia de ponta podem exigir investimentos totais entre R$150 mil e R$500 mil para sua implantação. Esses números ilustram o alto custo dos equipamentos odontológicos, como: cadeiras de dentista, aparelhos de raio-X, autoclaves e scanners intraorais, e também dos insumos de consumo diário (materiais restauradores, EPIs, próteses, etc.), muitos dos quais são importados e sofrem com variações cambiais.
Segundo especialistas, a odontologia é uma área que exige constantes investimentos, tanto em infraestrutura quanto em materiais e equipamentos. Consultórios modernos e bem equipados são atrativos para os pacientes, mas os custos associados podem ser altos, especialmente para profissionais em início de carreira. Essa é uma realidade comum: equipamentos, insumos e até especializações requerem planejamento financeiro detalhado para equilibrar os custos e manter a qualidade dos serviços. Logo, gerir as contas de uma clínica odontológica tornou-se tão importante quanto dominar as técnicas clínicas.
Além do investimento inicial, há os custos operacionais permanentes. Uma pesquisa da Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (ABIMO) revelou que os dentistas brasileiros gastam em média R$2.600 por mês em compras de produtos odontológicos, valor que inclui materiais de uso contínuo e pequenas peças de reposição. Itens de maior porte, como equipamentos digitais avançados (por exemplo, impressoras 3D ou sistemas CAD/CAM para próteses) representam aportes pontuais vultosos.
“Aqui no Amazonas, a distância dos grandes centros ainda eleva mais os custos. Equipamentos e materiais chegam com um custo maior devido à logística, o que torna o investimento ainda mais pesado para as clínicas locais,” observa Danielle Serejo, cirurgiã-dentista em Manaus e fundadora da Clínica Chekap, ressaltando as dificuldades adicionais em regiões mais remotas do país.
Investimento em capacitação e formação contínua
Outra frente de desafio para os gestores odontológicos é a necessidade de aperfeiçoamento profissional constante. Novas tecnologias e técnicas surgem a todo momento, de alinhadores ortodônticos invisíveis a implantes de última geração e softwares de planejamento digital, e acompanhar essas inovações demanda investimentos tanto em equipamentos quanto em cursos de capacitação. Ferramentas modernas como scanners intraorais e tomógrafos cone beam, por exemplo, só revelam todo seu potencial quando o dentista passa por treinamentos específicos para utilizá-las corretamente.
Assim, além dos gastos materiais, os profissionais arcam com cursos de especialização, aperfeiçoamento e participação em congressos. Em média, uma pós-graduação em odontologia envolve mensalidades que podem chegar a alguns milhares de reais, dependendo da instituição e da área. Especializações altamente procuradas, como implantodontia ou ortodontia, custam facilmente dezenas de milhares de reais ao longo do curso, valor que muitos dentistas consideram um investimento necessário para se diferenciar no mercado.
“Precisamos estar sempre atualizados. Investir em cursos de especialização e novas técnicas é fundamental para oferecer um atendimento de qualidade, mas representa um custo pesado no desenvolvimento profissional do dentista” destaca Danielle Serejo sobre a importância da formação continuada.
A falta de preparo em gestão durante a formação acadêmica agrava o quadro. Trabalhar como dentista é uma coisa; ser dono ou gestor de um consultório odontológico é outra, bem diferente. Nas faculdades de Odontologia, a grade curricular costuma ter espaço limitado para disciplinas de administração e negócios. Como resultado, muitos profissionais concluem a graduação dominando os procedimentos clínicos, mas sem conhecimentos sólidos de gestão financeira, marketing ou liderança de equipe: habilidades essenciais para manter uma clínica sustentável. Diante dessa lacuna, grandes operadoras de saúde e entidades de classe passaram a oferecer cursos específicos sobre empreendedorismo e administração voltados para dentistas.
É comum que o próprio profissional assuma a gestão de seu consultório, mas, enquanto existem inúmeras especializações na parte técnica, ainda há uma carência significativa de formação na área de gestão. Essa demanda mostra que o sucesso de uma clínica depende tanto da qualidade técnica odontológica quanto da aplicação de boas práticas administrativas.
Carência de saúde bucal e impacto social
Contraditoriamente, toda essa busca por excelência e modernização convive com um grave problema de saúde pública: a carência de saúde bucal no Brasil. O país é reconhecido por ter a maior comunidade de dentistas do mundo, são mais de 426 mil cirurgiões-dentistas inscritos no Conselho Federal de Odontologia (CFO), mas isso não se traduz em acesso universal aos cuidados odontológicos. Milhões de brasileiros ainda não conseguem consultar um dentista regularmente ou tratar problemas bucais básicos, resultando em índices preocupantes de cáries e perda dentária na população.
Dados da nova Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil 2020/2023) ilustram bem a situação: 41,2% das crianças brasileiras de 5 anos apresentam ao menos um dente com cárie não tratada, e cerca de 10% delas já necessitam de tratamento odontológico de urgência. Entre os idosos, o cenário não é melhor: 36,27% dos brasileiros com mais de 60 anos não possuem nenhum dente natural na boca, evidenciando a falta de assistência acumulada ao longo da vida.
Esse alerta ganha eco nas iniciativas públicas: o Ministério da Saúde relançou o programa Brasil Sorridente, investindo R$ 22 milhões em 2025 para doar mais de 15 mil equipamentos odontológicos a municípios do SUS, buscando reduzir desigualdades, e garantir que mais brasileiros tenham acesso a um atendimento digno e resolutivo.
Para as clínicas particulares, a carência de saúde bucal na população significa um duplo desafio. Por um lado, há um enorme contingente de pessoas que poderia se beneficiar de atendimentos odontológicos, seja via sistema público ou privado, indicando demanda potencial pelos serviços. Por outro lado, grande parte dessa demanda reprimida está entre os brasileiros de baixa renda, que muitas vezes não conseguem arcar com os custos de tratamentos em consultórios particulares.
O resultado é que procedimentos essenciais acabam sendo postergados ou nunca realizados, comprometendo tanto a qualidade de vida da população quanto a sustentabilidade do modelo de negócio das clínicas. Frequentemente, os profissionais se deparam com pacientes em estágios avançados de problemas bucais que poderiam ter sido evitados por meio da prevenção, o que gera frustração do ponto de vista clínico e humano. Diante desse cenário, além da assistência curativa, há um esforço crescente para promover a prevenção e a educação em saúde bucal, seja por meio de ações comunitárias ou pela facilitação de condições de pagamento, buscando reduzir a distância entre as necessidades da população e o acesso efetivo ao tratamento odontológico.
O equilíbrio entre negócio e missão de saúde
Diante desse panorama, gerir uma clínica odontológica em 2025 exige encontrar um equilíbrio delicado entre a sustentabilidade financeira e a missão de promover saúde. Os desafios econômicos com equipamentos caros, materiais em alta de preço e cursos indispensáveis porém onerosos, pressionam as margens de lucro e demandam do gestor uma visão estratégica apurada. Ao mesmo tempo, os desafios sociais, como a falta de acesso da população aos cuidados odontológicos básicos, convocam os profissionais a um papel ativo na melhoria da saúde bucal coletiva, seja apoiando políticas públicas, participando de programas sociais ou adotando modelos de atendimento acessíveis.
Apesar das dificuldades, muitos dentistas-empreendedores demonstram resiliência e capacidade de inovação. A adoção de tecnologias digitais têm ajudado a otimizar processos e reduzir desperdícios; o uso de comércio eletrônico para compra de insumos permite comparar preços e economizar em escala e estratégias de marketing digital e fidelização têm atraído novos pacientes, aumentando a ocupação da agenda. Por fim, a formação de parcerias, seja com convênios odontológicos, seja com financiadores ou investidores, surge como alternativa para diluir custos e viabilizar expansão sem comprometer a qualidade.
Enquanto buscam esse preparo, dentistas como Danielle Serejo permanecem otimistas. “São muitos desafios, sim, mas também muitas recompensas,” diz a cirurgiã-dentista de Manaus. Segundo ela, a satisfação de ver sorrisos recuperados e pacientes bem atendidos compensa os obstáculos da gestão. E com organização, apoio de entidades de classe e políticas públicas adequadas, as clínicas odontológicas brasileiras esperam continuar avançando, unindo a saúde do negócio à saúde da população.
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