Três temas do STF que prejudicam os embargos do INSS na Revisão da Vida Toda


Após o julgamento da Revisão da Vida Toda pelo Supremo Tribunal Federal, reconhecendo o direito a revisão de benefícios que foram lesados pela aplicação de uma metodologia de cálculo mais severa, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) buscou minimizar este direito por meio de embargos de declaração.
O STF declarou o direito dos aposentados em seus dois plenários, sendo este iniciado e julgado por 6 votos a 5 no plenário virtual, e posteriormente o mesmo placar consolidado no plenário presencial. Com tal decisão, aposentados prejudicados pela aplicação de uma regra de transição mais desfavorável que a regra permanente criada, terão direito a incluir todas as contribuições realizadas em suas vidas, indo de acordo com a vontade do legislador.
Porém, o INSS inconformado com a decisão realizou a oposição de embargos de declaração, tornando o processo, que traz justiça para pessoas de idade avançada e em sua maioria doentes, mais demorado. São pessoas que contavam com a revisão para a compra de remédios, alimentação e necessidades básicas, e agora enfrentam o peso do tempo para conseguirem sobreviver de forma mais digna.
Ocorre que os embargos trazidos pelo INSS, buscam a modulação temporal de efeitos, que de forma prática significa a criação de um marco inicial para o pagamento dos atrasados gerados aos aposentados lesados. Tal pedido vai contra a segurança jurídica, pois a Lei de Benefícios do INSS prevê o respeito ao prazo de 5 anos (prescrição quinquenal), e o Supremo Tribunal Federal, desde o ano de 2013, entende que o INSS deve aplicar o melhor benefício aos segurados. E este é nosso primeiro dos 3 temas: o Tema 334, onde o STF julgou a Ação do Melhor Benefício, e desde lá manteve integralmente a sua jurisprudência.
Além disso, deve ser respeitado o interesse social, pois toda a sociedade espera que decisões judiciais sejam cumpridas, e beneficiar o INSS com tal ato seria privilegiar e abonar a Autarquia pelo erro cometido na vida de milhares de idosos. De forma prática, seria reconhecer o erro, e ao mesmo tempo isentar o INSS de pagar as pessoas que foram lesadas.
Vale ressaltar também mais dois temas julgados pelo Supremo Tribunal Federal, que demonstram o entendimento da Corte pela não aplicabilidade da modulação dos efeitos, seja pela inocorrência de reversão jurisprudencial, como também pela impossibilidade de se manifestar sobre a prescrição.
Primeiro, cabe citar o Tema 774, que demonstra que o Tribunal conferiu interpretação teleológica a disposição normativa, sem a declaração de inconstitucionalidade da norma, comprova-se que a sua jurisprudência entende que a questão de prescrição não deverá ser analisada e muito menos modulada.
Importante observar os brilhantes votos trazidos pelos Ministros na Revisão da Vida Toda, iniciando pela decisão do ministro Alexandre de Moraes:

conferindo interpretação teleológica a aludida disposição normativa, entendeu que deveria prevalecer a regra permanente do art. 29 da Lei 8.213/1991, quando esta fosse mais favorável ao segurado. Ou seja, procedeu à mera exegese da norma, sem a declaração de inconstitucionalidade seja da regra permanente, seja da regra de transição

Voto do Ministro Edson Fachin:

Registro, Senhor Presidente, que estou de acordo com as balizas fixadas em seu percuciente voto pelo e. Ministro Relator, no que se refere à aplicação do art. 97 da CRFB, ponto em que Sua Excelência fez constar que não cabe “confundir simples interpretação de norma, à luz do caso concreto, com declaração de inconstitucionalidade”. Em relação ao mérito, embora entenda que a matéria demanda disciplina de norma infraconstitucional, motivo pelo qual assentei a compreensão de que há repercussão geral na discussão em tela, embora ausente questão constitucional, no que fiquei vencido, também acompanho o e. Ministro Relator, pelo desprovimento do recurso
Voto Ministra Carmen Lúcia :

Em meu voto, Senhora Presidente, estou apresentando fundamentos quanto ao art. 10, o que, na esteira do voto que se teve do Ministro Marco Aurélio, Relator, e até do parecer da Procuradoria-Geral da República, o que se teve foi a interpretação da norma infraconstitucional e a sua aplicação.  
Voto Ministra Rosa Weber:

Entendo que não prospera a alegação de ofensa ao art. 97 da Magna Carta, uma vez que, tal como ressaltado no voto proferido pelo Relator, Ministro Marco Aurélio, interpretação de norma infraconstitucional, à luz do caso concreto, não se confunde com declaração de inconstitucionalidade sem observância da cláusula de reserva de Plenário.

O INSS busca em seu pedido, sem declaração de inconstitucionalidade, que seja modulado o prazo prescricional de pagamento de retroativos, o que incidiria em análise de matéria infraconstitucional em sede de embargos. Isso afronta a jurisprudência do STF. A Corte entende pela impossibilidade de modulação face a necessidade de enfrentamento de legislação infraconstitucional, vejamos o Tema 774:

“Assinalo ser defeso a este colegiado adentrar a discussão relativa à determinação, no caso concreto, do marco temporal a ser adotado para o pagamento de passivos. Isso porque isso demandaria a análise da prescriçãoo que não se poderia fazer sem se esbarrar no exame da legislação infraconstitucional ou no revolvimento dos fatos e das provas dos autos, os quais são vedados nesta hipótese.”  

Desta maneira, modular o prazo prescricional para recebimento de atrasados, sem a declaração de inconstitucionalidade ou sequer de constitucionalidade da Lei, em simples análise teleológica da sua aplicação, implica e revogação incidental da legislação. Na Revisão da Vida Toda não temos a declaração de inconstitucionalidade, e sim uma questão interpretativa, onde a vontade do legislador foi analisada e aplicada ao caso concreto.
E, agora, o terceiro Tema que impede a modulação de efeitos buscada pelo INSS: o Tema 942, que segue aplicado abaixo:

“Por outro lado, quanto ao pleito de modulação da decisão, conforme afirmado por ocasião do julgamento Tema 942, da repercussão geral, a questão envolvendo o direito à conversão do tempo de serviço especial em comum, prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público, até então, não estava consolidada pela jurisprudência desta Corte. Não houve, portanto, mudança de entendimento em torno da matéria no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, de modo que não há que se falar em afronta ao princípio da segurança jurídicaAlém disso, não ficou demonstrada a ocorrência de motivos excepcionais de interesse social, tendo em vista que a alegação da parte Recorrente foi baseada em situação hipotética, envolvendo aposentadorias futuras de servidores públicos da área de saúde, nestes termos: “ fatalmente implicará na antecipação de aposentadorias de enfermeiros, médicos, farmacêuticos, engenheiros químicos ou bioquímicos; repercutindo em área sensível do serviço público, qual seja a área da saúde” (eDOC 190, p. 7), o que não é suficiente para justificar a supressão de direitos”  
Desde o ano de 2013, quando decidiu pela aplicação do melhor benefício (que é o caso da Revisão da Vida Toda), o STF possui entendimento consolidado sobre este direito dos aposentados. Não ocorreu qualquer mudança jurisprudencial nestes 10 anos.
A supressão do pagamento de atrasados aos aposentados, ou a criação de um marco temporal, viola a jurisprudência da mais alta Corte Nacional. Até mesmo o Superior Tribunal de Justiça ao julgar a Revisão da Vida Toda se baseou no entendimento do STF de 2013, e mais,  nos dois plenários os Ministros do Supremo citaram em seus votos essa fundamentação.
Portanto, não existe qualquer alegação de inconstitucionalidade ou reversão jurisprudencial, chamada de “overruling”, que fundamente a modulação requerida pelo INSS.
Estamos confiantes que os Ministros não acolham os embargos da Autarquia, pois isso seria uma afronta a Lei de Benefícios do próprio INSS, contrário também a segurança jurídica e interesse social, e principalmente antagônico a jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Federal.
*João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados
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