Eduardo Bonates*
Que o Brasil é uma democracia jovem, complexa e atormentada diuturnamente pelas políticas e politicagens mais rasteiras todo brasileiro já está cansado de saber. No entanto, os novos tempos trouxeram um ingrediente a mais nessa insano caldeirão socioeconômico cotidiano: o impacto das redes sociais em atos administrativos do Governo Federal.
Na primeira semana de abril, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, divulgou seu plano de política fiscal, denominado Arcabouço Fiscal, onde se previa ampliar a receita do governo Lula em até R$ 150 bilhões. Desse valor, R$ 8 bilhões viriam da taxação dos marketplaces asiáticos (Shein, Shopee e Aliexpress), propondo o fim da isenção de encomendas internacionais de valor inferior a US$ 50 (cerca de R$ 250). O ministro chegou a chamar as vendas dessas empresas de "contrabando".
A polêmica então imediatamente se instalou. Os marketplaces asiáticos têm como itens mais vendidos produtos de pequeno valor, com grande consumo por parte dos brasileiros mais pobres, justamente a base eleitoral do presidente Lula. Diante do bombardeio midiático, Lula escalou para defender seu governo a primeira-dama Janja da Silva e o youtuber Felipe Neto.
Janja publicou um post no Twitter respondendo ao canal de fofocas “Choquei” e afirmou que “a taxação é para empresas e não para o consumidor”. O youtuber Felipe Neto também postou no Twitter e disse que a tributação das empresas asiáticas já estaria em vigor e que haveria fraude para fugir do pagamento de impostos.
Enquanto a pressão popular subia no Brasil, o presidente Lula realizava sua visita justamente à China, sede da gigante do e-commerce Shein, a maior prejudicada com a taxação anunciada por Haddad. Lula e o chinês Xi Jinping assinaram 15 acordos diplomáticos e mais 20 acordos comerciais. Não se sabe se houve discussão específica sobre a Shein e suas vendas no mercado brasileiro.
O que se sabe é que nem Janja, nem Felipe Neto lograram êxito na tentativa de justificar a taxação sobre as importações até US$ 50,00. Tão logo retornou de sua viagem à China, o ministro Fernando Haddad recuou e atendendo a pedidos de Lula pretende manter as isenções das transações internacionais.
Tudo isso ocorreu nas últimas duas semanas. Um plano fiscal chamado de "calabouço fiscal" pela oposição. Aumento de carga tributária. Taxação para os mais pobres. Redes sociais em pânico. Primeira-dama e youtuber como porta-vozes de política econômica. Visita diplomática. China. Recuo. E retorno ao status quo. Como se nada tivesse acontecido. Que o Brasil não é para amadores, já sabíamos. Mas estamos nos superando a cada dia.
*Eduardo Bonates é advogado especialista em Contencioso Tributário e Zona Franca de Manaus e sócio do escritório Almeida, Barretto e Bonates Advogados.