Contratos de locação de espaços em Shopping Centers têm natureza complexa, para não dizer controversa. São tidos como contratos de locação, regidos pela Lei do Inquilinato (8.245/91) ao mesmo tempo que possuem outros documentos que lhe são acessórios e indissociáveis, trazendo uma certa atipicidade a este tipo de relação.
Esta atipicidade, em certa medida, está contemplada no artigo 54 da Lei do Inquilinato, lei que regula o setor de locações no Brasil (8.245/91). Este artigo dispõe que: Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de Shopping Center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.
Com base neste artigo de lei, empreendedores de Shopping Centers acabaram por criar verdadeiros contratos “típicos” de locação para Shoppings, com normas gerais e específicas. Costumam integrar os contratos de locação em shopping center, os seguintes: (i) o contrato propriamente dito, com as estipulações individuais de cada lojista/locatário; (ii) as “normas gerais” ou “cláusulas comuns”, que são um conjunto de regras para todos; (iii) o regimento interno, que estipula sobre o funcionamento do empreendimento; e (iv) o estatuto da associação dos lojistas (é condição para firmar a locação, que o lojista se afilie na associação dos lojistas do shopping – sendo comum o empreendedor/locador ter maior poder de voto), que dentre outras funções, trata da arrecadação e gerência do fundo de promoção e publicidade.
Tudo isto forma um conjunto de regras peculiares a este tipo de empreendimento, e cuja maior função, em princípio, é o de acompanhar as grandes diferenças entre Shopping Centers e os demais estabelecimentos não erigidos sob a forma de centros de convivência.
Ocorre que esta atipicidade, por não raras vezes, ultrapassa alguns limites tidos por razoáveis. Algumas cláusulas impostas pelos empreendedores podem ser consideradas verdadeiros abusos.
Na maioria dos casos, os empreendedores se beneficiam de uma posição mais privilegiada se comparada ao do lojista individualmente considerado. E esta posição mais vantajosa decorre, primeiramente, pela propriedade do bem locado, e, em seguida, do seu poderio econômico dentro de seu mercado de atuação. O critério de essencialidade do bem em questão – o ponto comercial – torna o lojista a parte vulnerável, que deverá se render a muitas condições não-benéficas para se ver inserido no centro de atração de seu público consumidor.
Seguem alguns exemplos de cláusulas cuja licitude se torna questionável, principalmente quando analisados à luz dos princípios da boa-fé e função social do contrato, positivados pelo Código Civil de 2002:
Outras cláusulas, embora admitidas por nossos Tribunais, podem revestir-se de certo abuso, visto que, na prática, acabam por ocorrer duas situações nas quais o lojista ou (i) não possui poder de barganha para realizar negociações com o grupo empreendedor; ou (ii) não possui informações suficientes para dar-se conta de que contraiu uma obrigação que lhe será eventualmente prejudicial. Vejamos:
Em suma, o que se verifica é um cenário no qual os lojistas - na sua maioria micro e pequenos empresários – em razão da busca por centros de atração do público-consumidor, firmam contratos leoninos, muitas vezes de forma desavisada.
Este desequilíbrio de forças, refletido pelo poder econômico de um em comparação ao outro, é reforçado pelo desequilíbrio do contrato, justificado e legitimado, por vezes, pela manutenção da ordem e bem-estar comum no empreendimento (horário de funcionamento, controle da forma de abordagem a clientes, v.g.).
Verifica-se, portanto, a grande necessidade de se buscar um certo equilíbrio, pautado pela boa-fé, no qual ambos buscarão a melhor negociação, sem, contudo, beneficiar-se em prejuízo do outro.
Os Shopping Centers estão inseridos num tipo de mercado, citado por economistas como two-sided markets, no qual existem 02 (duas) espécies de consumidores/clientes (no caso: lojista e consumidor final), que são essenciais entre si; sem a presença de um deles o negócio não tem vida. Fácil de concluir, portanto, que não há razões para tornar a relação de tal forma desequilibrada capaz de ensejar a quebra do lojista.
Interessa, enfim, a um e a outro, que o empreendimento encontre seu sucesso, tornando-se mais que um negócio imobiliário; um centro de convivência onde as relações sociais acolhem e o tornam perene.
*Daniel Cerveira é advogado, sócio do escritório Cerveira, Bloch, Goettems, Hansen & Longo Advogados Associados. Pós-Graduado em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP). Pós-Graduado em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Consultor Jurídico do Sindilojas-SP. Autor dos livros "Shopping Centers - Limites na liberdade de contratar", São Paulo, 2011, Editora Saraiva, e “Franchising”, São Paulo, 2021, Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais, na qualidade de colaborador. Atuou como Professor de Pós-Graduação em Direito Imobiliário do Instituto de Direito da PUC/RJ, MBA em Gestão em Franquias e Negócios do Varejo da FIA – Fundação de Instituto de Administração e Pós-Graduação em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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